quinta-feira, 12 de junho de 2014

-toda forma de amor.

     Sempre gostei de Clarice Lispector. Mesmo que hoje em dia as pessoas tenham a eterna mania de colocar citações no Facebook como indiretas ou como forma de expressar o "amor". Antes disso eu amei Clarice, que atualmente segue como carro chefe para algumas situações da minha vida. 
     O primeiro texto que li, "Por não estarem distraídos", foi no Ensino Médio. Até aí só sabia o que era Ruth Rocha, Ana Maria Machado, Machado de Assis (meio que obrigada), e Talita Rebouças (sim, ela fofíssima). Mas eram histórias, algumas adolescentes, outras infantis e só Machado me preparava psicologicamente para o que viria. 
     O primeiro baque de amor foi na minha infância. Tive um amiguinho amorzinho que brincava comigo e de repente foi embora do colégio. Triste, nunca esqueci. Depois, minha adolescência foi marcada por rejeições do tipo fora-do-padrão. Só que mal sabia eu que chegaria em um estágio mais intenso. Relacionamentos são difíceis, e eu aprendi isso da melhor e da pior forma possível.
     Ninguém dá nome ao que sente, as pessoas apenas sentem e sabem o que é, nem sempre definem. O amor não se define. Amor pode ser cozinhar quando não se tem vontade só pra ver a outra pessoa feliz. Pode ser estender seu dia pra ficar mais tempo junto. Pode ser fazer um café quando se odeia café. Pode ser motivar o outro. Gostar da felicidade do outro. Do sorriso, dos olhos, da boca. Do jeito que ela prende o cabelo, ou de como quando ele sorri toda vez que te olha. De como ela gosta de todos os filmes que você nunca vai ver por falta de tempo. De como você acha ele inteligente porque sempre vem com uma explicação desde o surgimento do Planeta até a morte de uma planta. Ela é uma pessoa legal. Ele consegue me acalmar. 
Existe um zilhão de formas de amor. Ninguém sentiu todas, mas todo mundo já amou uma vez.



Segue então o texto de Clarice: 


               "Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos."



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